quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Sala de espera

Enquanto a hora não chega
A porta teima em provocar o trinco
E na fresta da fechadura
A luz da noite espia minha roupa sem vinco
De tanto sentar e levantar
Como se esse chacoalhar
Fizesse a ampulheta disparar
Enquanto não ouço teus passos
A ritmar pela escada
Nos toques de selva e de alvorada
Meu coração não titubeia, dispara
A antecipar os sons dos teus saltos de gala
Enquanto teu perfume único
Não vem afugentar os cheiros do nada
Minhas narinas relembram a doçura
Que tua pele empresta à essência
Na fixação de um aroma inebriante
Quente de sauna a dilatar
Fresco de água de pedra a rolar
Enquanto tua voz não roça
As campainhas dos meus medos
Acho que fico a escutar
Nos tímpanos do pensamento
Meu nome sendo chamado
Pelo teu cântico palavreado
E tudo isso vale a pena
Não é um tempo que se condena
Na sala de espera
Aguardo você, minha bela...

Baco Dionísio, de mochila nas costas, sandálias fransciscanas, a bússola das estrelas e uma fome de alegria a caminho da natureza...
31/01/2008

Fruta Madura

Há tantas estações
Quantas paradas de trem
Apitos de chamar atenção
Sinos de lembrar alguém
Tempo de colheita
Hora de semear rente ao chão
Flores de voar muito além
Polens ao vento de nevar
Dos morros que sobem e descem
Carinhando pedras de espuma sabão
Cores de pendurar por vinténs
Enfeites de realçar de onde vens
Cheiros cheios de temperos
Matizes de liquens
Ar puro de pintar corpos toscos
Carnes de frutas e gostos
A estalar na boca
Do falso azedo de carambolas
Do sabor oriente de cerejas frescas
Eu tinto de degustar
Em cristais decompor teu paladar
Fermento de lembrar
Ardido de cravo a exalar
A canela da tua pele a gotejar
Suores de prazer e dor
Da força de viver ao redor
Do teu lado neste ano de amar
Velas de acender sem apagar
Essência de energia a iluminar
O doce do teu beijo sem amargar

Edman Izipetto
30/01/08

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Ilha

Pedra encalhada
Na mini-baía de praia pequena
Divide as ondas
Em pororocas e mareias
Como proa
Navega na imaginação
No tombadilho da insolação
Do tato que à pele queima
Pururucas de excesso de calor
Pululam insetos em brotoejas de dor
Que o sal da água saboreia
No horizonte cristas de caudas
Que a febre enxerga e vilipendeia
Aponta e explica, não titubeia
Na cadeira de praia o livro
É o diário de bordo do capitão sem eira
Que enfrenta os mares da beira
Sem rum, sem pernas de pau
Sem gancho ou papagaio perneta
Sua luneta é digital
E não vê, registra e grava,
Traz para o real o que vagueia
Na garganta seca um gole
De água de coco e cheiro de areia.

Baco Dionísio, agradecendo todas as mensagens na ausência, mandando um abraço salgado e um olhar de brasa em fogueira
29/01/08

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Sem regras

É como se o mundo revirasse
O norte no sul e os pólos no equador
Um vento frio varreu a chuva
Que congelou o verão numa cor
O cinza gris de água turva
Cobriu as pessoas de malha
Teceu nas cabeças gotas de enxágüe
Empurrou flores para fora dos seus galhos
E fez trocar a geladeira pela lareira
Mas no fim das contas
O que riscou nas nuvens
Foi o disco da nudez
Afiado de avidez
Rasgando todas as vestes
Abrindo espaços no celeste
Corpo de fundo e pano estrelado
Mostrando-se linda, redonda,
Cheia Lua veio mudar
Os ventos deste lugar.

Baco Dionísio, saudando a noite anterior de Lua Cheia e desejando noites sem nuvens a vocês...
23/01/08

Dia de chuva

Uma gota basta para entornar
Toda e qualquer parada vulgar:
Da represada colada piña tragada,
Às enchentes em minúsculas ocas e
Encharcadas pegadas de caminhar;
Som de gotas em fila indiana
Deslizando pelos sentidos,
Como se daqui da cama
Todo o céu despencasse num dilúvio,
Na sinfonia das folhas se lavando,
Na intimidade de flores se banhando,
Nos rios temporários do meu corpo
Que a chuva gelada queima e não refresca nada,
Lava a alma de passados impermeáveis,
Manchas antigas sem esfregar,
Suores novos aos poros arejar,
Idéias novas à água fecundar;
Andar na chuva bem devagar
Deixar toda essa benção penetrar,
Despertando do torpor do calor seco,
Que ilude, maltrata e afugenta o vento,
Que traz novos ares e alento...

Baco Dionísio, dançando conforme a música e o tempo (mas sugerindo ao maestro um repertório mais ameno...)
Ótima semana a todos
21/01/08

Sorver

Na cálida boca que solfeja
Sôfrega de ar e líquido
A borda da taça despeja
Todos os sabores que a terra dá
Eles passeiam pelo marfim do sorriso
Encharcam a língua de beliscos taninos
Para evaporar pelos pensamentos
Acender esclarecimentos
Abrir a porta dos desejos
Desvendar os véus e os segredos
Boca linda
Céu de entrada da vida

Baco Dionísio, contra a luz e a favor do vento, muito vento...
ótimo final de semana, mas muito ótimo mesmo
18/01/08

Brincadeira

As nuvens em sua pressa
Estão brincando de pega-pega
São naus de corrida
Seus cascos escuros singram
Limpam o chão do teto
Lustram este piso de concreto
Que brilha e reluz de azul
Outros flocos brancos
Imitam massinhas de modelar
Deixam profundidade e silhuetas,
Cabeças, caricaturas e sombras,
Esculturas e relevos
Expressões de Aleijadinho
Cartoons alegres e sombrios
Escondem o Sol e seus delírios
Opacam a luz em feixes mínimos
Excitando a todo o olhar
Como algodão-doce
Nas diversas cores
Dá água na boca
Deixa sabores
Odores doces de traquinagem
Traz este vento
Leva para longe meus adultos pensamentos
Deixa a criança deitada a olhar...
Deixa a criança sonhar...

Baco Dionísio, com a cabeça nas nuvens, ainda bem... ótima noite de brincadeiras para todos...
17/01/08

Esconde, não esconde

Eu vou, talvez, será...
Cerro as pálpebras
Como criança se não vejo
Estou invisível
A chuva não me encharca
Mas a tela está em gotas
Que palavras belas suam
No soar da minha boca
Repito e volto a ir
Reviro e solto o sorrir
Neste vai e vem
No olhar de canto
No limite do encanto
No infinito da magia
O prazer é nosso
E ao mundo, mais alegria

Baco Dionisio, gostando das tentações...
17/01/08

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Sem dizer nada

Faltam-me palavras neste momento único
Fogem de mim as metáforas e os arranjos
Da fonética e das imagens lúdicas
Da finesse e da disputa dos anjos
Homônimos disfarçados e por engano
Criados serviçais para o deleite mundano
Mas o que dizer se nada do que escrevo
Bóia no mar ou despenca de um barranco
Apenas agita a superfície do meu olhar urbano
Que procura estrelas pela fumaça dos canos
Ou apenas fixa a pupila em algo estranho
Na busca de enxergar meu próprio humano
No caos das nuvens carregadas de estanho
Nos flashes de energia a fotografar o oceano
Um vulto aparece como num encanto
Para sumir logo depois feito desengano
Na chuva que deságua feito um grande pranto
Lavando minhas palavras e afogando meu canto
No momento único deste grande plano

Baco Dionísio, sóbrio demais para esquecer (o que era mesmo que eu ia dizer?).
16/01/08

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Amares

Verbo no tempo certo
Correção sintomática das palavras
Lances de xadrez em jogo de squash
O magnetismo deixa de ser invisível
Torna-se imprescindível
Deixa de viajar ao temor do vento
Há mares para descobrir
Águas profundas a mergulhar
Pode-se ficar à beira
Pode-se a vida inteira
Ver outras luzes a luzir
Haver de terra firme
Criar raiz a tal ponto
De nunca mais partir
Há mares a navegar
Vagalhões a rasgar
Ondas de suor e prazer
Carinhos de quebra-mar
Estrela-do-mar a seguir
No céu verde deste encanto
Amares
Que só vem para o bem

Baco Dionísio, de cachimbo no canto da boca, com a mão no timão, tirando a escuna da âncora e partindo para esse mar de sertão, ótimo final de semana para todos
11/01/08

quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Paixão

O ar está quieto
Como que buscando respirar
A cratera do vulcão
Não se manifesta nem fumaça há
O mar está rijo
Como um lago em pleno inverno
E na floresta nem um gemido
Tudo é invisível em mistério
Na geleira a brancura
Da cegueira de congelar
E no céu há só o azul
A tingir de cores vãs...
Uma piscada no tempo
Um olhar de esgueira
Avalanche do gelo
A nudez da montanha
Vapores de nuvens
Condensam-se sobre pós
Eletricidade e faíscas
Tempestades avançam aos nós
Varre tufão, tromba d´água,
Irriga toda esta draga
Tombam troncos eretos,
Deitam flores abertas,
Sem resistência a esta saga
E do mar das vontades
O tsunami explode em vagas
Diminui a distância até o céu
Russa montanha e escalada vertical
Pari um tornado de olho algoz
Rodopia com fome feroz
E no atrito do funil
Solta a fumaça escondida
Emerge a lava contida
Escorre quente
E esculpe a geografia
Calda ventre e fértil corrente
A jorrar pelas dobradas
E vales do cio
Rarefeito ar, perfeito par,
Descansam a força e os elementos,
A natureza retorna à paz...

Baco Dionísio, do olho do furacão viu uma cor diferente...
09/01/08

Amanhecer II

Mas porque deixar de falar de amor
Se o dia já começa a se despir
A mostrar todos seus amores
Despertando desejos e calores
Antes mesmo do gole de café
Amantes se olham
Amantes se fecham
Num cumprimentar sem se despedir
Num levantar sem da cama sair
Num bocejo que é meio beijo
No meio beijo meio começo
Do que do beijo depois há de vir

Baco Dionísio, sem saber se amanhece ou se escurece, mas que o importante é o que acontece...
08/01/08

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Amanhecer

Se eu não falasse de amor...
Do que mais escreveria?
Talvez de um começo de dia,
Onde a névoa cobriu de magia,
Deixou úmida toda a ressaca da noite,
Protegeu as entidades do açoite
De um Sol escaldante e feliz...
Mantas brancas nas partes baixas,
Dos terrenos, das encharcadas,
Reluzem de claridade e verborrágicas
Frases de um despertar sem fim...
Festa de maritacas nos coqueiros,
Cesta de coquinhos dormitentes,
Junto aos passeios de caminhantes
Croquejam semelhantes a salgadinhos chips...
Alguém volta com pão e leite,
O cheiro do quente baguete se espalha,
E como num passe de mágica
A língua sente a manteiga derretida,
A preencher a boca ressequida
A alimentar minha vontade de viver...
E numa casa vizinha
Um café se esgueira pela linha
Do coador a pingar sua sina
De perfumar de cafeína
De um cheiro que nos anima
De um gole que bota pra cima
Este dia que começa a nascer...

Baco Dionísio, amante das coisas simples da vida, mas nem por isso menos celebradas...
08/01/08

Surpresas

Um doce de fina iguaria
Para uma boca que me afeta de fantasia
Mascarpone com trufas de alevosia
Uma fruta rasgada do pé
Para os odores em quem vejo fé
Amoras, framboesas e caju que perfumado é
Um diamante do tamanho do olho
Para um olhar que me abriu o ferrolho
Das pálpebras cerradas do meu sono
Sementes para atrair cantadores alados
Soltos pássaros a inebriar ouvidos amados
Na sinfonia da liberdade de cânticos sagrados
Pétalas de flores diversas
Para o banho dela de água e conservas
Óleos naturais das essências e ervas
Em todos os sentidos
Em todas as surpresas
O amor até então contido
Se revelando sem pressa...

Baco Dionísio, aguçando todos os sentidos, ótimas noites de verão...
07/01/08

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Carinho

Uma pena de ganso na pele
Um gato se enrolando na sua perna
Uma pedra de gelo no seu colo
Areia morna no seu solo
Colchão de água para teu sono
Camélias abertas para teu perfume
Frestas e arestas para teu conforto
Mesa farta para teu deleite
Jóias raras para teu enfeite
Som de água para tua harmonia
Cores muitas para a fantasia
Banheira de espuma e especiarias
Velas e incensos para teu clima
Um sorriso nos olhos
E olhares de magia
Para a real presença da tua companhia

Baco Dionísio, desejando a todos um ótimo final de semana, com muitas sensações e alegrias
04/01/08

Intimidade

Deitar-se com uma mulher é por vezes grotesco
Assim dito fora das quatro paredes
Como que escancarado na intimidade do regalo
A câmera oculta da cumplicidade fosse devastada
Por espiões desavisados do ato de amar
Não se deita com uma mulher
As reverenciamos e descobrimos
Seus mais secretos desejos e caminhos
Suas vontades de carinhos
Em todas as formas de fazer amor
Não se dorme com uma mulher
A colocamos em nosso peito
Deixamos que adormeça
No abraço que a proteja
No afago que lhe corteja
E dormimos também...
Protegendo e protegidos

Baco Dionisio, concordando que apenas uma mulher é suficiente...
03/01/08

Sob encomenda

Será que é pedir demais
Um sorriso que lhe traga paz
Mesmo que no universo deste encanto
Meu desejo desperte do letárgico espanto
Para a alegoria de um mundo onde me encontro
Será que é demais pedir
Para teu olhar de luz me cobrir
Despindo todo meu corpo da escura névoa
Que deixou minha pele de neve coberta
Que tornou odores de outrora tristonhos
Em perfumes que agora não escondo
Pedir demais será que é
Dizer o que se sente sem medo do que vier
Na certeza do que se quer pedir
Na consciência do que se quer medir
Na métrica de palavras certas ou inversas
Nos mantras de sons exatos ou intervalos
Na dialética do existir na espiral do viver
Na inexplicável conquista da fé
Que me deixou atrair
Sob encomenda
Quem me fez voltar a sorrir

Baco Dionísio, saudando novos ares, novos tempos, e distribuindo a quem quiser partilhar...
03/01/08

Sede

Se você está com sede
Então que este copo transparente
De água de cipó
Desamarre tua boca seca
Lave todo este pó
Que o líquido lhe liquidifique
Este medo que lhe deu um nó
Nas asas dos teus sonhos
Que não precisas correr atrás
Porque neles estás
És autora dos teus sonhos
Não personagem fulgás
Sem correr, sem parar
A sede há de passar
E os cipós que te seguravam
Irão apenas te saciar...

Baco Dionísio, sabendo a hora de beber e a hora da sede matar...
03/01/08

Bom Princípio

Quantas ondas terei que pular
Até que navegue todo este mar
Que se apresenta diante de mim
Que se agiganta diante de nós
Que aceita as barquinhas de flores e pós
Que se perfuma de branco e igapós
Que promete desatar esses nós
Que a gente de tanto circular
E meter os pés pelas mãos
Insiste sem querer em não afrouxar
Quantas sementes terei que guardar
Até que toda a riqueza me venha a calhar
O suficiente para esta vida levar
Sem que a vida me leve de cor
Sem que nada me impeça onde eu for
Sem que nada aborreça meu amor
Quantas frutas ainda a mastigar
Para sementes poder espalhar
Para mandingas simpáticas debulhar
Para rituais novos seculares repetir
Para vitrais colors milhares colorir
E este Sol todo a me despir
Acendendo e mostrando o meu sorrir...

Baco Dionísio, agradecendo as muitas mensagens, pedindo desculpas pela ausência forçada pela tecnologia falha, mas entrando com pé, mão, olho e orelha direitos neste ano fantástico de 2008, desejando a vocês muita “alegria é a melhor coisa que existe...”

Sentidos

Como se visse o que jamais imaginou
Como se escutasse um inaudível som
Como se provasse inesquecível sabor
Como se tocasse na textura do céu
Como se sentisse a mais fina essência
Como se de repente toda a existência
Fosse concentrada naquela flor
Fosse destilada naquele mel
Fosse destinada àquele escultor
Fosse sinfonada naquele tom
Fosse projetada em art noveau
E todos os sentidos fossem poucos
E todas as outras coisas sumissem
E todas as falas roucas desinibissem
E todos os olhares girassem
E todos os ouvidos parabolicalizassem
E todas as epidermes se cumprimentassem
E todos os paladares se fartassem
E o sexto sentido se manifestasse
Depois que tu me beijaste...

Baco Dionísio, mesmo fazendo surf de trenó e jogando com os duendes, dominó, não esquecendo de amar... ótimo fim de tarde, começo de noite, começo da noite, boca da noite...
19/12/07