sexta-feira, 30 de maio de 2008

Tango Místico

O bandoneon respira
Arfando gemidos
Inspirando por aparelhos;
O violoncelo transpira
Riscando tensões
Instigando sopros alentos;
Nossas pernas trançam
Sem embaraçar
Eu sou, tu és,
Eu vou, tu vais,
Eu volto, tu retornas,
Movimentos doces e ríspidos
Como se fôssemos voar
À beira do abismo
Passos de tato e ritmo
Molejos de tourear
Som de rua
Sombras da rua
Recoleta das 1001 noites
Nossos corpos a serpentear
Portenhos mouros
Liberta as najas de nossos sonhos
Retire as vendas dos olhares tolos
E nos deixe girar sobre nossos pés
Sob o tango dos apaixonados

Baco Dionísio, sobre o vídeo “Libertango”, ótimo final de semana...
30/05/08

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Só risos


Risos
Alegria interior de amar
Os olhos não precisam ver
O que eu quero enxergar
Meus lábios se revoltam
Com a secura do ar
Mas os sons de outrora
Dos tempos da aurora
Vão se dissipando ao luar
Na troca de cores do horizonte
Da janela da minha alma
Coberta de algum pó
Manchas que não vou limpar
Mas deixar que o tempo
Lave com suas gotas de vento
O que eu tiver que me livrar
E minha boca
Antes fechada e muda
Sorri agora
Escancarada e nua
Sem medo de se ouvir gargalhar...

Baco Dionisío
23/05/08

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Fresta

O vão deixa a luz baça
Delinear um traçado
Caminho de pó
Rota de sol disfarçado
Entreaberta em rasgo
Laser de sentidos
Calor de visão
A fresta transpira
Sua em propulsão
Expelindo a quietude
Marcando o couro
Cicatrizando tatuagens
No seu foco sem lente
Projeta imagens
Limpa minha mente
E os olhos da noite
Semicerrados
Como lua crescente
Expia...

Baco Dionísio, navegando por instrumentos, mas seguindo em frente...ótima noite para todos
15/05/08

Dilata

Dilata
O metal aquece em magenta
Contrai
Nervos tesos em blue
Delata
Ocular testemunha entrega
Trai
No vacilo escorrega e cai
Descarta
Papelada voando rumo ao sul
Traz
Migratórias em busca de amor
Discreta
A gélida sensação se esvai
Esgueira-se
Serpenteia em busca de calor
Recolhe-se
Mastiga o frio como antipasti
Entre a lã e o algodão
Paixão

Baco Dionísio, dia do ócio com tinto, pão rústico e roquefort...
30/04/08

A lágrima do amor

É fértil
Cai no solo seco
Vira um oceano
Escorre pelo colo
É um rio
Nos olhos rasos
É nascente
Na Lua grande
É vertente
Lágrima de dor
Teu sal me alivia
Mancha meu cinza
E me devolve a cor
Lágrima valiosa
Diamante de sentimento
Brilha no teu rosto
Aquece
Evapora o sofrimento.

Baco Dionísio,
24/04/08

Senhora das Pedrarias

Costura seus fios
Metais puxados em pentes
Meandros de origens diferentes
Desfiados e desafiantes
Estirados e tirantes
Engenharia de equilibrar
Arquitetura de adornar
Jardinagem de combinar
Formas de cores
Lâminas de aparar
A geometria dos veios
Gotas petrificadas
Transparências em âmbar
Flores de ágata
Fósseis de enfeitar
Desenhos a contornar
Pescoços, orelhas,
Dedos sem calos
Colos de completar
Contas únicas
Com a luz das pedrarias
Que a Senhora faz brilhar

Baco Dionísio
08/04/08

À mesa

Na frente dos meus olhos
Teu olhar não desvia
Os perfumes gustativos
Acendem o braseiro
O alimento vira combustível
Teu cheiro me alimenta
Uma sede que a água não afugenta
Expressa-se em ebulição
Não queima, mas ardenta
Deixa as faces rubras
Deixa um gosto de pimenta
Nos teus lábios que abrem
E fecham instáveis
São uma tormenta
Teus cabelos a cobrir
Pela metade o rosto febril
Esconde e esquenta
Sabores de amor
Velas de desejos
Toques de carinho
Delícias carícias

Baco Dionísio, ótima noite, ótimo jantar...
03/04/08

Língua

Um gesto verbaliza
O tom de farda germânico
Degusta e temporiza
No francês orgulhoso e urbano
Festeja ao redor da mesa
Numa tarantela de taças e desenganos
No pensamento grego
De quebrar o ritual cerâmico
Das sangrias ibéricas
De bailar entre touros
Da facilidade portuguesa
De conviver com os mouros
Na ilha do horário pontual
O chá encerra as brumas...
Em todas as falas
Nas diversas combinações
De letras e grafismos
A língua passeia
Enrola e serpenteia
Retrai e se expõe
Sempre sabe se expressar
Quando quer dizer amor

Baco Dionísio, uma noite cheia de encantos em todas as línguas e encontros...
02/04/08

Espreita-se

Uma namorada que brilhe de dia
À noite furtiva, roube meu sono de dor,
No calor da fome
Do apetite, do acepipe,
Nos beijos loucos do amor
Sem saber se vai embora
Sem noção se é só na hora
Que me encostas na tua ilação
Que se esgotes de gemidos
Infinitos sem redenção
Que digas meu nome
E outras palavras sem razão

Baco Dionísio
31/03/08

Sob o som de chover

Sob o som de chover
Preguiça espanta e faz mover
Toda secura que pranteia
Toda ressecada que espanta
Algo assim como não-viver...
Sob o som dessa chuva
Deixo os sonhos escorrerem
Traçando caminhos em minha pele
Arrepiando minha derme
Deixando explodir minha verve
Colhendo gotas sujas de limpar
Os poros que ainda hão de suar...

Baco Dionísio, ainda que escorregando nos versos, deseja a todos um ótimo fim de semana
14/03/08

Água que não vem

Água que não vem
Enquanto a chuva ameaça
Deixa as pétalas eriçadas
Na espera de gotas e lágrimas
Tira-me o pó da estrada
Afoga minhas pegadas pesadas
Deixe a lama me proteger
Desses raios de prata
Piso cerâmicas e pedras
Preciosas e lapidadas
Água que não cai na minha pele
Molha meus poros de febre
Aplaca minhas idéias de seguir
Sem apontar estradas
Chuva seca a sugerir
Que minhas flores se bastam
Para recolher ao dormir
Toda a umidade da noite

Baco Dionísio
11/03/08

Vocábulos

Nestas palavras que escrevo
Digo o que queria guardar
Sinais rupestres das minhas retinas
Descobertos pelo acaso das minhas sinas
Talho sílabas no cinzel de teclados
Nem brancas nem pretas
Mas de relevo incrustado
Ativam o projetor das lembranças de leitura
Atiçam a luz das roldanas e catapultas
De engrenagens e células elétricas
Trocando carícias e liquens
Medusas e pólipos no mar da minha cabeça
A viajar em tempestades contraditórias
Da razão que a paixão engole
Ou da paixão que a razão regurgita
Frases inteiras ainda terão de ser ditas
Para que eu mesmo não me esqueça.

Baco Dionísio, ceifando o mato com a lâmina da Lua minguante, boa noite a todos
05/03/08